Outros Trabalhos



Sol Oculto
Texto produzido em 2004.


Diz a voz que vem no vento
Que a sombra é uma pausa
Que a pausa é um tempo...
O sol um dia chegará!

Diz a voz que vem da água
Que o frio é uma lembrança
Que a lembrança é o passado...
O sol um dia chegará!

Diz a voz que vem da terra
Que a pedra é uma barreira
Que a barreira é um começo...
O sol um dia chegará!

Diz a voz que vem do espaço
Que o espinho é uma fonte
Que a fonte é a renovação...
O sol um dia chegará!

Diz a voz da consciência
Que a experiência é um fruto
Que o fruto é a justificativa...
Para que o sol um dia chegue!



NOBRE VIRA-LATA
Texto produzido em 1997

I

Um vira-lata é um cão comum
Talvez por isto seu nome (ou apelido)
(Não me importo aqui com a classificação)
Seja tão usado para designar cachorros
Sem importância, sem ferocidade.
Mas se engana quem pensa desta forma.
Há vira-latas que ficaram famosos
E outros que não tiveram em vida e na morte
As mordomias deste que conheci.
Seu nome era Foguete e era todo marrom
Possuía um brilho nos olhos,
(Poucos têm este brilho)
Vadiava o dia inteiro,
E recebia comida de toda a cidade.
Entrava em lugares públicos
Com a mesma cara lavada de sempre.
Jamais ouvi que Foguete fizesse sujeira
Nos lugares onde era recebido como autoridade
Pois até mesmo as autoridades assim o tratavam
(Provavelmente por serem da mesma raça).
Foguete também era muito corajoso,
Enfrentou bandidos e salvou um banco de roubo.
Um verdadeiro cão policial, vira-lata apenas na raça.
E isto se devia a província em que vivia,
Onde até vira-lata não é singular, é nobre
Ou pelo menos finge que é,
Como a maioria da classe... de status.
Mas Foguete tinha que partir, morrer.
E ele morreu...


II

À hora não me lembro agora
Que expirasse o pobre cão
Só sei que uma boa senhora
Encontrou-o durinho no chão.
E saiu gritando pela rua o acontecido
Em poucos momentos pessoas chegaram
Foram lamentando a sorte do falecido
E muitos sem palavras, choraram.

Aos poucos uma pequena multidão
Cercou o cadáver canino estirado
Lágrimas caiam copiosas de emoção
Outros sussurravam a sorte do coitado.
A notícia pegou a cidade de surpresa
Todos ficaram chocados com a partida
Iriam pro lixo os restos de comida da mesa
Pois só Foguete merecia tal medida.

E todos comentaram que era hora
De a pequena cidade demonstrar sua dor
Seria um dia triste e teriam agora
Que levar aos restos do Foguete seu amor.
Um jornalista de muito respeito
Levantou sua maior... bandeira
Defendeu de Foguete, o direito
De um enterro digno... de primeira.
Depois vieram os absurdos pedidos
Aceitos pela burguesia sem relutância
Foguete seria o primeiro dos latidos
A serem ouvidos pela sua importância.


III

O enterro aconteceu no meio de um horto
Acompanhado pelas grandes autoridades
Um caixão de luxo ao pobre vira-lata, morto
E o discurso emocionado do prefeito com saudades.
O padre encomendou a alma canina
Pediu a Deus a absolvição dos seus pecados
Lamentou aos presentes pela sua sina
E rezou um pai nosso com outros acalorados.
O presidente da Câmara choroso
Em seu discurso falou sobre cidadania
Foguete seria o cão cidadão honroso
Que aquele ano a Câmara a ele concedia.
A banda municipal tocou a marcha fúnebre
E entre discursos e fingidos lamentos
Um advogado famoso, Deus em sua febre
Declamou aos presentes seus puros sentimentos.
Todos sofriam sem distinção
Ficaram abandonados aquele dia
Foguete faria falta ao coração
Daqueles que da sua raça vivia.



O DIVÃ DA SALA
Texto produzido em 1997

         Ao chegar, abriu a porta, ligou a luz, pois já era noite e sentou-se numa poltrona da sala, estava cansada... Ligou a televisão para ver a novela, mas optou por ficar ali quieta pensando no dia que tinha tido, nunca trabalhou tanto como naquele dia.
A sua cabeça parecia estourar e ela queria deitar e dormir, mas não podia dar-se ao luxo de relaxar, havia o jantar por fazer, a casa para limpar e o filho que logo chegaria da escola. Ela tinha muito trabalho ainda para realizar.
Sentada e exausta ficou a observar o aquário no final da sala e por incrível que pareça todos os peixinhos olhavam para ela como se sorrissem da sua tragédia.
- Será que peixe também trabalha...?
Seu pensamento foi interrompido por um show de acrobacias de um peixinho que possui o rabo em forma de espada. Ele pulava dentro do aquário como se fosse um avião da esquadrilha da fumaça, dando piruetas sobre as bolhas de ar que saiam de pedras porosas no meio da areia, movidas por uma bombinha de ar sobre o aquário.
Ela assistia encantada àquele espetáculo. Desligou a luz ambiente para deixar apenas a luz do aquário acesa, foi aí que o verdadeiro espetáculo começou.
O peixinho acrobata contagiou os outros peixes e em pouco tempo o aquário era uma verdadeira festa o que a agradava muito. Somente os peixes maiores, que segundo seu filho, procediam da Amazônia, insaciáveis procuravam por resto de ração no fundo do aquário.
Era fascinante o efeito da luz sobre as cores dos peixes contrastando com a água dentro do aquário.
A beleza dos peixes e a graciosidade com que nadavam, num verdadeiro balé, foram envolvendo-a de tal forma que o cansaço, o desânimo e até mesmo a dor de cabeça sumiram, e ela sentia-se totalmente relaxada.
Já havia passado um bom tempo, quando seu filho a chamou, chegara da escola.
Deixou o divã que naquele dia havia descoberto em sua casa e foi cuidar de realizar o seu trabalho.
E a festa no aquário continuou alheia a rotina diária da casa da operária.
A partir daquele dia a vida dela mudou muito. O aquário passou a ser o seu foco para aliviar o stress do dia a dia e assim ter forças para continuar trabalhando e criando o seu filho, sozinha...

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